quarta-feira, 24 de maio de 2017

Arqueólogos procuram pelo 'navio da orgia' de Calígula

Embarcação monstruosa pode estar num pequeno lago da Itália

Thiago Lincolins


Visão moderna sobre o navio e seu dono | Crédito: Wikimedia Commons/Reprodução

Autoridades italianas estão atrás de um espetacular barco de mais de 120 metros de comprimento e quase 2 mil anos, criado por um capricho de um dos mais odiados governantes de Roma. 
Reinando entre 37 e 41, Caio Júlio César Augusto Germânico, mais conhecido como Calígula ("botinha"), foi o terceiro imperador. E o segundo a ser assassinado - ascendeu ao trono após matar seu antecessor, seu tio-avô Tibério, enquanto esse se tentava se recuperar de uma doença. Um completo lunático. Foi acusado de cometer incesto com cada uma das suas três irmãs, torná-las prostitutas, forçar as mulheres de seus oficiais a deitar-se com ele, matar prisioneiros ao final de orgias e transformar seu cavalo em senador. 
Talvez não seja assim, ou ao menos nem tudo assim: a história foi escrita por seus inimigos. Mas ao menos uma dessas extravagâncias foi certamente real: ele mandou construir barcos ridiculamente luxuosos. Neles, satisfaria seus apetites exóticos. Para evitar mais escândalos, os "iates" circulavam no Lago Nêmi, que fica há cerca de 30 quilômetros de Roma. Postos num laguinho de pouco mais de um quilômetro quadrado, tinham mais de 70 metros - o tamanho dos maiores navios que cruzavam oceanos na época das Grandes Navegações. 
+ Leia mais sobre como Calígula possivelmente não era esse monstro todo
Sabemos que eles são reais porque foram achados: foram avistados da superfície já no século 15. Muito depois, em 1931, o ditador Benito Mussolini ordenou que fosse feita uma drenagem do lago. Dois barcos foram recuperados e expostos num museu feito só para eles em Roma. Mas o incrível achado não durou muito tempo. Durante a Segunda Guerra, o  museu foi atingido pela artilharia dos EUA. Num desastre para a arqueologia, os navios acabaram incinerados. 
Mussolini, porém, pode ter feito o favor à História de deixar o mais impressionante submerso. O projeto de drenagem de 1931 teve de ser parado às pressas porque a terra em torno do lago se tornou instável, causando desabamentos. 
O que nos traz de volta ao presente. Para resolver o mistério de uma vez, as autoridades da Itália montaram uma grande busca no lago, envolvendo pesquisadores da Agência de Proteção ambiental da Calábria, mergulhadores e autoridades portuárias de Fiumicino. ''Pode parecer bizarro o fato de um grande barco ter naufragado em um pequeno lago como esse, mas o fato de ter pertencido a Calígula faz essa cena ser provável'', diz Luigi Dattola, da Agência de Proteção Ambiental da Calábria, em entrevista ao Seeker.
O que ele quer dizer com "pertencido a Calígula" é pelo fim que os barcos levaram. Numa tentativa de damnatio memoriae (remover as lembranças de alguém da História), foram afundados propositalmente após o assassinato de seu dono. Para facilitar a busca, o time de Dattola conta com a ajuda de equipamentos que conseguem detectar objetos que estejam enterrados abaixo do fundo do lago. Apesar de ter encontrado algumas anomalias que não são relacionadas ao barco, a busca ainda está num estágio preliminar. ''Caso o barco seja encontrado o mundo terá novas informações sobre as técnicas de construções navais dos Romanos'', diz Alberto Bertucci, prefeito local.  
Não é brincadeira, aliás: relatos falam desse terceiro barco tendo ridículos 120 metros de comprimento. O mundo só veria novamente embarcações tão grandes assim na metade do século 19*. É cruzar os dedos para o que pode ser um dos mais impressionantes achados deste século.

*Os navios do almirante chinês Zheng He, feitos no século 15, supostamente teriam mais de 130 metros. Mas isso é considerado improvável por boa parte dos historiadores atuais, que colocam suas medidas por volta dos 60 metros.
 

domingo, 14 de maio de 2017

Brasil: Uma História Inconveniente

Além das comemorações que estão acompanhando o "Brasil 500 anos", esse
momento deve ser também, uma oportunidade de reflexão histórica,
principalmente por parte de setores que nesses 5 séculos se
fortaleceram, em detrimento da maioria da população, ontem indígena,
negra-escrava e hoje representada por uma imensa camada de miseráveis e
excluídos da "democracia" e do "Estado de Direito".
Uma das
principais instituições ao longo de nossa história é a Igreja Católica.
Presente no Brasil desde os primórdios do período colonial, a Igreja
quase sempre esteve ao lado do poder, quer na Colônia, no Império ou na
República.
Os primeiros representantes da Igreja Católica, os padres
jesuítas, chegaram ao Brasil em 1549, com o primeiro Governador Geral,
Tomé de Souza, e fundaram o primeiro bispado na cidade de Salvador,
então capital da colônia.
A expansão da Igreja acompanhou a própria
expansão da colonização na medida em que, a cada nova Vila fundada, uma
capela era erguida.
No entanto, a principal ação dos jesuítas deu-se
frente aos indígenas, que deveriam ser catequizados como parte do
movimento de Contra Reforma, que seguindo as decisões do Concílio de
Trento, procurava expandir o catolicismo para os vários povos de todos
os continentes. A ação de catequese junto aos índios foi possível na
medida em que a
Igreja de Roma havia chegado a conclusão de que os silvícolas possuíam alma, portanto poderiam ser salvos.
A
partir de então, os jesuítas preocuparam-se em levar aos povos
indígenas os ensinamentos cristãos e para isso foram organizadas as
missões ( ou reduções) onde os indígenas aprendiam a língua portuguesa,
os costumes e a moral católica, aprendiam ainda a trabalhar com os
instrumentos trazidos pela nova cultura, apresentada como superior e
responsável pela desagregação de várias tribos.
A força e influência
política dos jesuítas e os interesses no tráfico de escravos negros, fez
com que o Estado proibisse a escravidão indígena, permanecendo porém
essa possibilidade a partir da "guerra justa", responsável pela
escravidão do índio, mesmo que em menor número quando comparado com a
escravidão negra.
A presença do jesuíta também teve grande
importância nas cidades coloniais, onde as poucas escolas que existiam
eram controladas por eles. Dessa forma, os filhos dos fazendeiros eram
educados pelos padres e em parte essa situação reproduzia o que ocorria
na metrópole, homens que ocupariam cargos públicos, explicando a atitude
do Marquês de Pombal em 1759, que expulsou os jesuítas de Portugal e de
todas as suas
colônias.
Durante o Primeiro Reinado (governo de D.
Pedro I entre 1822 e 1831), a Constituição outorgada de 1824,
determinou o catolicismo como religião oficial, ou seja, imposta e
controlada pelo Estado, sendo que esta situação foi mantida até a
Proclamação da República.
No dia 20 de março o jornal Folha de São
Paulo conseguiu uma cópia de um documento guardado sob sigilo pela
Igreja Católica no Brasil. Trata-se de uma carta de 21 páginas que
circula desde o começo de março entre os bispos que formam o episcopado
brasileiro

sexta-feira, 12 de maio de 2017

FOTOS REAIS DE ESCRAVOS DO SÉCULO XIX

Ecos da Escravidão - Caminhos da Reportagem





















Fosse nos engenhos de açúcar, nas lavouras de café ou na mineração, o
serviço pesado estava nas mãos dos cativos. E em homenagem aos 127 anos
da Lei Áurea, o Caminhos da Reportagem traça o longo e difícil caminho
do cativeiro à abolição, a luta pela liberdade, as formas de alforria,
os principais abolicionistas. Ainda analisa uma polêmica: é possível ou
não reparar os males deixados à população negra por anos e anos de
trabalho escravo?

A escravidão no Brasil poderia ter sido abolida antes de 1888?

A escravidão no Brasil poderia ter sido abolida antes de 1888? 
 


  • Abolição atrasada
Nunca é inoportuno ressaltar que o Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão. A Lei Áurea (Lei Imperial n. 3.353), sancionada em 13 de maio de 1888, foi um gesto importante por parte do Império, mas além de ter sido uma medida bastante demorada, veio desacompanhada de um novo projeto de nação que assimilasse a massa de negros libertos na atividade econômica e na esfera social.
Para piorar a situação, a República, instituída por meio de um golpe militar um ano após a abolição, também não apresentou nenhum projeto de Estado que integrasse a massa de negros libertos à nova realidade político-econômica da nação. Mas será que em algum momento da história do Brasil, antes da Lei Áurea, houve algum projeto de Estado que planejasse essa transição?
Sim, e esse projeto foi apresentado pelo estadista José Bonifácio de Andrada e Silva na Assembleia Constituinte de 1823.
  • José Bonifácio e o projeto de extinção gradual da escravidão
José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) foi um dos principais “arquitetos” do Império Brasileiro, tendo trabalhado desde 1820 para que o Brasil se tornasse independente e tivesse um regime imperial constitucional, o que ocorreu em 1822. Com o advento da Independência, restava ao Brasil conceber uma Constituição para definir que estrutura institucional seguiria.
Bonifácio era o primeiro-ministro de Dom Pedro I quando foi organizada a primeira Assembleia Nacional Constituinte do Brasil, em 1823. Foi em uma das reuniões da Constituinte que ele apresentou uma Representação, seguida de um Projeto de Lei, que tratava da gradual extinção do regime escravista no Brasil. Em sua representação, Bonifácio tentou convencer os outros parlamentares – representantes da aristocracia rural – dos benefícios econômicos e sociais que o país teria se, progressivamente, os negros fossem libertados e inseridos em um sistema de trabalho livre.
O projeto de Bonifácio tinha como objetivos principais:
  • Acabar com o tráfico negreiro em, no máximo, cinco anos;
  • Facilitar as condições de compra de alforria por parte dos escravos;
  • Acabar com os castigos físicos;
  • Conceder pequenas faixas de terras para que os negros libertos (por compra de alforria ou por outros meios) pudessem produzir e prosperar, etc.
Em um dos trechos de sua representação, podemos ler o apelo do estadista:
Se os negros são homens como nós, e não formam uma espécie de brutos animais; se sentem e pensam como nós, que quadro de dor e de miséria não apresentam eles à imaginação de qualquer homem sensível e cristão? Se os gemidos de um bruto nos condoem, é impossível que deixemos de sentir também certa dor simpática com as desgraças e misérias dos escravos; mas tal é o efeito do costume, e a voz da cobiça, que veem homens correr lágrimas de outros homens, sem que estas lhes espremam dos olhos uma só gota de compaixão e de ternura. Mas a cobiça não sente nem discorre como a razão e a humanidade.
  • Dissolução da Constituinte de 1823 e o “engavetamento” do projeto
O projeto de Bonifácio, contudo, não foi aprovado por uma razão muito específica: a Assembleia Constituinte de 1823 foi dissolvida pelo imperador D. Pedro I. Bonifácio, que protestou contra a medida, foi preso e depois exilado, só retornando ao país anos depois, mas sem a força e o prestígio que tivera antes. Seu projeto caiu no esquecimento porque, além de tudo, não despertava nenhuma simpatia na aristocracia rural escravista do Brasil da época, sobretudo porque não havia interesse pleno em um projeto de Estado ou em um projeto de Nação.
Nas décadas que se seguiram, o império, antes da Lei Áurea, apenas sancionou leis sob pressão internacional, principalmente dos ingleses, como a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, que extinguiu o tráfico negreiro transatlântico, a Lei do Ventre Livre, de 1871, que impediu os filhos nascidos de escravas de serem também escravos, e a Lei dos Sexagenários, de 1885, que libertava todos os escravos com mais de sessenta anos de idade. Ainda assim, tais leis não apresentavam amparos institucionais reivindicados por José Bonifácio em 1823.

Por Me. Cláudio Fernandes
 

terça-feira, 9 de maio de 2017

INDICAÇÕES DE LIVROS ( PEDAGOGIA )

Pedagogia e Ensino de História da Educação (Português)

A eterna peleja do general Abreu e Lima

Por Paulo Santos Oliveira, publicado originalmente na Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 6, nº 6, em novembro de 2010
Abreu e Lima foi um defensor implacável das liberdades civis. Por elas, arriscou a vida e até a alma





Quando o jovem capitão de artilharia José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869) fugiu do cárcere da Fortaleza de São Pedro, em Salvador, em outubro de 1817, seu futuro era mais do que incerto. A revolução que deveria libertar o Brasil do domínio português, pela qual tanto havia trabalhado, acabara de ser sufocada, ao custo de mais de 1.500 mortos e feridos e cerca de 800 degredados, em Pernambuco, na Paraíba, no Ceará e no Rio Grande do Norte. Centenas de outros patriotas também estavam presos, sua rica família tivera os bens sequestrados, e ele e seu irmão Luís foram obrigados a assistir ao fuzilamento do pai, o advogado e ex-sacerdote apelidado de “Padre Roma” (1768-1817), na Bahia, para onde fora enviado como agente secreto do Governo Provisório pernambucano.


Aos 23 anos, José Inácio tinha apenas uma certeza: jamais deixaria de lutar pela liberdade e pelo direito dos cidadãos de fazerem suas próprias escolhas, inclusive as religiosas. E depois de arriscar a vida em dezenas de batalhas pela América do Sul, ele, um católico praticante, ainda enfrentaria a ira da Igreja por estas mesmas causas, aos 74 anos, pondo em risco sua alma imortal.

Após a fuga da prisão, os irmãos Abreu e Lima embarcaram clandestinamente para a Filadélfia, nos Estados Unidos, onde, no início de 1818, se abrigavam muitos combatentes pela liberdade nas Américas, e de lá partiram para a Venezuela. Luís ficou pelo caminho, pois conseguiu emprego em Porto Rico. José Inácio seguiu adiante, e no começo de 1819 chegou a Angostura, cidade erguida no meio da selva amazônica, às margens do Rio Orenoco, onde Simón Bolivar (1783-1830) havia montado o seu quartel-general. Lá, o pernambucano se tornou colaborador do Correo del Orinoco, porta-voz dos rebeldes bolivarianos, e polemizou com o jornalista Hipólito da Costa (1774-1823), que, de Londres, editava mensalmente o Correio Braziliense, no qual defendia uma monarquia constitucional no Brasil e atacava a revolução nordestina de 1817.

Em Angostura, o capitão também assistiu ao congresso de fundação da Terceira República venezuelana. Em seguida, engajado no Estado-Maior de um exército de dois mil homens comandado por Bolívar, atravessou a América do Sul numa marcha duríssima: primeiro, cruzando a Amazônia; depois, a vasta região pantanosa dos llanos debaixo de chuva; e, finalmente, escalando os Andes em pleno inverno. Em cinco meses chegou ao altiplano boyacaense com uma tropa desfalcada, doente e desarmada. Mas com o auxílio da população local, o Libertador derrotou a Terceira Divisão, um dos melhores corpos militares da Espanha, e libertou o vice-reino de Nova Granada — o Panamá e a Colômbia atuais.

Abreu e Lima acompanhou Bolivar nessa jornada épica, participando de todas as batalhas e ganhando várias condecorações, além da fama de valente. Também esteve nas campanhas dos três anos seguintes, que decretaram a libertação de Quito, atual Equador; da Venezuela e do antigo Peru, que se dividiria nos atuais Peru e Bolívia. Mas, consolidadas as independências, explodiram as intrigas e as disputas pelo poder. À maior parte das elites venezuelanas, granadinas e quitenses não interessava que suas nações permanecessem unidas numa só, a Grã-Colômbia, como queria Bolívar, e também não aprovavam vários de seus projetos, como abolição da escravatura, reforma agrária, educação popular, etc.

Em 1825, o já coronel Abreu e Lima se viu envolvido em outros confrontos de natureza política. Passou a ser atacado por gente que queria atingir o Libertador, de quem era fiel escudeiro, e o fato de ser estrangeiro – pior ainda, brasileiro – fazia dele um alvo fácil. Ora, o Brasil acabara de se separar de Portugal, mas, ao contrário dos seus vizinhos, transformara-se em império, não em república. E o imperador D. Pedro I era tido como um absolutista ferrenho, ligado às monarquias europeias mais conservadoras, inclusive pelo casamento com uma princesa austríaca, D. Leopoldina. Caluniado pela imprensa por Antônio Leocadio Guzmán (1801-1884), o coronel, de temperamento exaltado, feriu o rosto do desafeto com o sabre em plena rua. Por esse gesto foi submetido a Conselho de Guerra e enviado para o deserto de Bajo Seco, onde ficou encarcerado por seis meses.

No final de 1826, Abreu e Lima deu baixa do exército, mas Bolívar o chamou de volta, em 1828, e o incumbiu, junto com o abade Dominique Dufor de Pradt (1759-1837) de defendê-lo, no Courrier Français, dos ataques que o filósofo Benjamin Constant (1767-1830) lhe fazia em outros jornais franceses. A guerra política declarada contra as ideias bolivaristas havia cruzado o Atlântico.

Desgastado pelas campanhas difamatórias e sofrendo de tuberculose já em estágio avançado, o Libertador renunciou à Presidência dois anos depois, e saiu de Bogotá rumo ao litoral colombiano, de onde pretendia partir para o exílio na Europa. Abreu e Lima, promovido a general, também o acompanhou nesse derradeiro trajeto.

Bolívar morreu em Santa Marta, na Colômbia, no dia 17 de dezembro de 1830. Poucos meses depois, o pernambucano e outros militares estrangeiros foram expulsos de lá por inimigos políticos do antigo líder que haviam ocupado o poder. Depois de uma viagem pela Europa, onde se encontrou com o rei Luís Felipe, da França, e com D. Pedro I, que já havia abdicado do trono brasileiro em 1831, o general voltou para o Brasil no ano seguinte. Estabeleceu-se no Rio de Janeiro e alinhou-se aos conservadores do Partido Caramuru, abraçando as mesmas ideias de Hipólito da Costa, com quem polemizara na juventude. Decepcionado com o esfacelamento da Grã-Colômbia, Abreu e Lima passou a ver na monarquia constitucional o único sistema capaz de manter a nação brasileira coesa. Por isso, pós de lado seus ressentimentos com os Bragança, que tanto mal haviam causado à sua província e à sua família. Para ele, o estabelecimento de uma República no Brasil levaria ao poder os donos de terras, que também eram donos da maioria dos votos. E esses “senhores feudais” – como Abreu se referia aos grandes proprietários de terras – certamente não se preocupariam com o bem-estar das massas.

Essas convicções fizeram com que Abreu e Lima entrasse em conflito com vários liberais, como o jornalista Evaristo da Veiga (1779-1837), de quem recebeu injúrias e até ameaças de morte, e o cônego Januário da Cunha Barbosa (1780-1846), um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838. Em 1836, ele lançou um jornaleco, O Raio de Júpiter, para defender a regência de D. Januária, irmã do futuro imperador Pedro II. Em 1843, publicou uma História do Brasil e foi novamente atacado pelo cônego Januário, dessa vez como “plagiador”. Desencantado com a Corte, o general voltou para Recife, onde fundou o jornal A Barca de São Pedro, e em 1848 se envolveu em outra das muitas revoltas libertárias pernambucanas, a Praieira. Considerado um dos cabeças do movimento, Abreu e Lima passou dois anos preso na ilha de Fernando de Noronha. Anistiado, ele se retirou da política, mas não se afastou das polêmicas. Em 1855, publicou O Socialismo, no qual criticava os principais defensores dessa linha de pensamento anteriores a Karl Marx (1818-1883), que não foi citado. Embora reconhecesse o conflito de classes, ele não defendia a superioridade de nenhuma delas. Para ele, “o socialismo não era uma ciência, nem uma doutrina, nem uma religião, nem uma seita, nem um sistema, nem um projeto, nem uma ideia”, mas “um desígnio da Providência”.

Mesmo tendo se assumido politicamente como conservador, continuou a ser um defensor de todas as liberdades – inclusive a religiosa -, o que lhe acarretou novos transtornos. Ao distribuir entre amigos algumas Bíblias que ganhara de protestantes ingleses, ele enfureceu o monsenhor Joaquim Pinto de Campos, um sertanejo bravo e extremamente reacionário, que passou a atacá-lo violentamente no Diário de Pernambuco ao longo de 1868. E o velho artilheiro disparava seus obuses de volta pelo Jornal do Recife.

 Túmulo de Abreu e Lima no Cemitério dos Ingleses, Recife


 Em meio a esse debate, José Inácio de Abreu e Lima morreu, no dia 8 de março de 1869, sem abjurar suas ideias, e isso fez com que o bispo de Olinda, D. Francisco Cardoso Ayres, lhe negasse sepultura em campo-santo brasileiro. Seus restos só puderam ser inumados em terras estrangeiras, no Cemitério dos Ingleses de Recife, debaixo de uma cruz celta. Mas o “General das Massas” não perdeu sua última batalha. A repercussão desse caso criou tanta polêmica em âmbito nacional que, dois anos depois, a administração dos cemitérios públicos foi retirada da Igreja, e o país deu mais um passo rumo às liberdades civis defendidas por ele ao longo de toda a vida.