segunda-feira, 30 de julho de 2012

A Trajetória Histórica da Didática

Amélia Domingues de Castro(1)

A reabertura de estudos e discussões sobre Didática, como disciplina e campo de estudos, 
parece refletir mais um momento de crise em sua trajetória histórica. Será, pois, conveniente, 
revisitar esse percurso para que se pondere em que medida os processos de gênese e a 
evolução dessa disciplina poderão trazer esclarecimentos sobre seu objeto de estudos e a 
delimitação de seu campo. Pode-se, também, perguntar como o papel e o significado 
atribuídos ã Didática no passado afetam seus problemas atuais, especialmente os que dizem 
respeito à autonomia do seu campo e ao relacionamento deste com áreas afins. 
Houve Um Tempo de Didática Difusa 
Como adjetivo - didático, didática - o termo é conhecido desde a Grécia antiga, com 
significação muito semelhante à atual, ou seja, indicando que o objeto ou a ação qualificada 
dizia respeito a ensino: poesia didática, por exemplo. No lar e na escola, procedimentos assim 
qualificados -didáticos - tiveram lugar e são relatados na história da Educação. Como objeto 
de reflexão de filósofos e pensadores, participam da história das idéias 
pedagógicas. 
A situação didática, pois, foi vivida e pensada antes de ser objeto de sistematização e de constituir 
referencial do discurso ordenado de uma das disciplinas do campo pedagógico, a Didática. Na longa fase que se poderia chamar de didática difusa, ensinava-se intuitivamente e/ou seguindo-se a prática vigente. De 
alguns professores conhecemos os procedimentos, podendo-se dizer que havia uma didática implícita em 
Sócrates quando perguntava aos discípulos: "pode-se ensinar a virtude?" ou na lectio e na
disputatio medievais. Mas o traçado de uma linha imaginária em torno de eventos que
caracterizam o ensino é fato do início dos tempos modernos, e revela uma tentativa de
distinguir um campo de estudos autonómo.


1 Doutora em Educação pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH, da Universidade de São Paulo - USP; 
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas - Unicamp. 



Século XVII: surgimento da Didática 

A inauguração de um campo de estudos com esse nome tem uma característica que vai ser
reencontrada na vida histórica da Didática: surge de uma crise e constitui um marco
revolucionário e doutrinário no campo da Educação. Da nova disciplina espera-se reformas
da Humanidade, já que deveria orientar educadores e destes, por sua vez, dependeria a
formação das novas gerações. Justifica-se, assim, as muitas esperanças nela depositadas,
acompanhadas, infelizmente, de outras tantas frustrações.
Constata-se que a delimitação da Didática constituiu a primeira tentativa que se conhece de
agrupar os conhecimentos pedagógicos, atribuindo-lhes uma situação superior à da mera
prática costumeira, do uso ou do mito. A Didática surge graças á ação de dois educadores,
RATÍQUIO e COMÊNIO, ambos provenientes da Europa Central, qua atuaram em países nos
quais se havia instalado a Reforma Protestante (2).

COMÊNIO escreveu, entre outras obras, a Didática Magna(3) , instituindo a nova disciplina
como "arte de ensinar tudo a todos". Dessa ambição participa também RATÍQUIO, e ambos,
pautados por ideais ético-religiosos, acreditam ter encontrado um método para cumprir
aqueles desígnios de modo rápido e agradável. Na verdade a instrução popular é crucial para
a reforma religiosa, e a busca de procedimentos que propiciassem rendimento ao ensino
torna-se importante. Obedecem á utopia da época: a idéia baconiana da atenção á natureza -
esta é o modelo que os didatas supõem imitar quando aconselham seguir sempre do fácil ao
difícil, ir das coisas às idéias e do particular ao geral, tudo sem pressa. Numa época em que o
latim dominava, propunham iniciar o ensino pela língua materna e por meio de livros
ilustrados, como exemplificou COMÊNIO. Tem-se notícias de experiências educacionais
realizadas conforme os princípios expostos, embora nem todas tivessem tido sucesso. Não
existem fronteiras, na obra do século XVII, entre Educação e Ensino, pois o objeto da Didática
abrange o ensino de conhecimentos, atitudes e sentimentos.

Essa etapa da gênese da Didática a faz servir, com ardor, á causa da Reforma Protestante, e
esse fato marca seu caráter revolucionário, de luta contra o tipo de ensino da Igreja Católica
Medieval. Doutrinariamente, seu vínculo é com o preparo para a vida eterna e, em nome dela,
com a natureza como "nosso estado primitivo e fundamental ao qual devemos regressar como
princípio(4).

Observa-se, entretanto, que, na Europa Ocidental Católica, outros pensadores também já
haviam discutido, como humanistas, a reforma de procedimentos educacionais, 16 contestando o medievalismo. É o caso de MONTAIGNE (1533-1592) em seus ensaios, e de
RAMUS (1515-1572) na prática escolar. Mas é aos reformadores do século XVII que, como
disse H. NOHL(5) , deve-se a "autoconsciência" do proceder educativo, retirando as cogitações
didático-pedagógicas da Filosofia, da Teologia ou da Literatura, onde, até essa época,
encontravam abrigo.

2 RATiQUIO, ou RATKE, nasceu no Holstein (1571-1635); COMÊNIO, ou KAMENSKI, nasceu na Morávia (1582-1670). 
3 A História consigna pelo menos uma obra anterior assim denominada, A Didactica de Elias BODIN, publicada em 
 Hamburgo no ano de 1621 (apud Ferreira GOMES, Introdução ã Didática Magna de COMÊNIO, tradução portuguesa 
 da Fundação Gulbenkian, Coimbra, 1966). 
4 COMENTO, Didática Magna, tradução portuguesa da Fundação Gulbenkian, Coimbra, 1966, p.101.




Conheçam Seus Alunos - diz Rousseau 


As instituições dos didatas parecem ter-se estiolado no decurso do tempo e a História da
Educação consigna apenas iniciativas esparsas até o final do século XVIII. ROUSSEAU é o
autor da segunda grande revolução didática. Não é um sistematizador da Educação, mas sua
obra dá origem, de modo marcante, a um novo conceito de infância. O Século das Luzes, que
tanto valoriza a razão, tem nos excessos românticos de ROUSSEAU o seu contraponto. Sob
certos aspectos ele aparece como um continuador das idéias dos didatas, mas dá um passo
além de suas doutrinas quando põe em relevo a natureza da criança e transforma o método
num procedimento natural, exercido sem pressa e sem livros.

A prática das idéias de ROUSSEAU foi empreendida, entre outros, por PESTALOZZI, que em
seus escritos e atuação dá dimensões sociais ã problemática educacional. O aspecto
metodológico da Didática encontra-se, sobretudo, em princípios, e não em regras,
transportando-se o foco de atenção às condições para o desenvolvimento harmônico do aluno.

A valorização da infância(6) está carregada de conseqüências para a pesquisa e a ação
pedagógicas, mas estas vão ainda aguardar mais de um século para concretizar-se. Enquanto
COMÊNIO, ao seguir as "pegadas da natureza", pensava em "domar as paixões das crianças",
ROUSSEAU parte da idéia da bondade natural do homem, corrompido pela sociedade. É em
sua obra O Contrato Social que discute a reforma da sociedade, tão necessária quanto a
reforma da Educação: por essa vertente de seu pensamento é que participa da renovação
ideológica que precedeu à Revolução Francesa.

Inflexão Metodológica Herbartiana, no Século XIX 

Na primeira metade do século XIX, João Frederico HERBART (1776-1841) deseja ser o criador
de uma Pedagogia Científica, fortemente influenciada por seus conhecimentos de Filosofia e
da Psicologia da época. Situa-se no plano didático ao defender a idéia da "Educação pela
Instrução", bem como pela relevância do aspecto metodológico em sua obra. 0 método dos
passos formais" celebrizou o autor, que o considerava próprio a toda e qualquer
situação de ensino. Partindo da concepção de "massas aperceptivas" constituídas
por conhecimentos anteriores, graças aos quais se aglutinam os novos, seguia
ordem e seqüência invariáveis(7) Teve sucesso na Europa, onde suas idéias foram

5 Hermann NOHL, Teoria de la Educación, tradução do alemão, Buenos Aires, Losada, 1952, p. 35. 
6 ARIÈS revela, em suas obras, o pouco apreço atribuído à infância, em épocas anteriores ao século XIX (Philippe ARIÈS, 
História Social da Criança e de Família, Rio, Zahar, 1978). 
7 Os "passos formais" receberam de seu autor a seguinte formulação: clareza, associação, sistema e método. Os 
 discípulos de HERBART, para dar praticidade a suas idéias, desdobraram essas etapas em: preparação, apresentação, 
 associação, sistematização e aplicação. 




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 defendidas e adaptadas por discípulos (ZILLER, REIN); e nos Estados Unidos, onde E
reconhecida sua influência sobre THORNDIKE, também associacionista.

HERBART tem o mérito de tornar a Pedagogia o "ponto central de um círculo de
investigação próprio". No entanto, a Psicologia ainda não havia deixado o caminho d
empirismo sensualista de origem filosófica e não ainda experimental. Seu propósito te
futuro mas os meios para realizá-lo eram ainda inadequados.

Seria HERBART um prolongamento da vertente metodológica dos didatas do século XVII?
Constituiria um intervalo formalista no impulso que leva de ROUSSEAU à Escola Nova?
Observe-se que os fundamentos de suas propostas, e estas mesmas, vieram a merecer
críticas dos precursores da Escola Nova cujas idéias começam a propagar-se ao final do
século XIX.

Um Intervalo na Trajetória Histórica: comentário sobre o duplo aspecto da Didática 

Da original proposta didática do século XVII, duas linhas se destacam e estarão daí er
diante em conflito. De um lado fica a linha metodológica, que, fundamentada no que se
conhecia sobre a natureza no século XVII ou sobre a Psicologia no começo do sécu XIX,
acentua o aspecto externo e objetivo do processo de ensinar, embora o faça em nome do
sujeito (criança, aluno, aprendiz) que se pretende ensinar de modo eficiente. A linha
oposta parte do sujeito, de seus anseios e necessidades, acentuando o perene interno do
educando.

Ora, esse aspecto metodológico da Didática que coloca sua atenção e força na tarefa do
professor, e que acentua a ordem e a gradualidade do processo de ensino, foi esmaecido
em ROUSSEAU, em benefício de uma outra ordem, aquela indicada pelo desenvolvimento
da criança e dominada, sobretudo, por suas necessidades e inferes: Dá-se precedência ao
aspecto subjetivo do processo, aspecto próprio ao aluno que e; aprendendo, sendo
interdependentes e relacionados, esses dois pólos do processo didático merecem, na
história da Educação, localização diferente, destacando-se ora uma ora outra. Há mesmo
uma espécie de luta ou competição entre eles, no decurso do tempo.

A Didática do século XIX oscila entre esses dois modos de interpretar a relação didátic
ênfase no sujeito - que seria induzido, talvez "seduzido" a aprender pelo caminho c
curiosidade e motivação - ou ênfase no método, como caminho que conduz do não-sab
ao saber, caminho formal descoberto pela razão humana.

No fundo revela-se a dialética das relações entre o homem e o meio. Pergunta-se o qi é
mais poderoso em Educação: o esforço auto-educativo do sujeito ou a pressão extern do
meio social e cultural? Vemos que até esse século a questão não é resolvida e prol a
dicotomização da Didática, separando um caminho "de fora para dentro" que exclu 0
outro, "de dentro para fora" e vice-versa.

Quanto à relação entre Didática e Sociedade ocorre o seguinte: no século XVII, a
constituição dos estados nacionais e a modernidade valorizam o ensino e desejam
aumentar seu rendimento. O método é interpretado como uma defesa dos interesses da
criança, que é peça importante de uma nova sociedade, a sociedade reformada d
principados germânicos. Já o final do século XVIII é a época revolucionária, em que o
feudalismo e a monarquia absoluta receberam seu golpe mortal. A pedagogia de
ROUSSEAU deveria ter uma grande repercussão, pois estaria plenamente de acordo
18 com a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789. Tem, no entanto, ambigüidade: o
exemplo educacional que propõe em seu romance, Emílio, é o de uma criança de família
burguesa abastada, ocupando só para si um preceptor. Talvez por isso suas idéias não
tenham sido praticadas senão em pequena escala e por uma personalidade excepcional:
PESTALOZZI. São esquecidas diante do prestígio da corrente herbartiana. É o novo
formalismo da burguesia que, segundo CHARLOT, volta facilmente á pedagogia dos
jesuítas e encontra seu paradigma em HERBART.

No entanto, estamos já no caminho do que se convencionou chamar o Estado
representativo, seja na forma de monarquia constitucional (Inglaterra e França
pós-revolução) ou na de república, na Europa e América dos séculos XIX e XX. O
pressuposto é a igualdade entre os homens e a Educação política do povo, só conseguida
se houver uma Educação liberal. Quanto aos Estados socialistas que se vão desenvolver a
partir do primeiro quarto do século XX, a sua própria necessidade de reorganização
política impunha um esforço de Educação, mas desconfiava dos rumos escolanovistas,
que se anunciam.

A Escola Nova 

Não é coincidência que a era do liberalismo e do capitalismo, da industrialização e
urbanização tenha exigido novos rumos á Educação. Na burguesia dominante e
enriquecida, a Escola Nova vai encontrar ressonância, com seus ideais de liberdade e
atividade.

É preciso considerar, no entanto, que já se iniciam as novas doutrinas socialistas que ao
final do século vão ser progressivamente dominadas pelo marxismo.
Na prática, o século assiste ao despontar dos poderes públicos com relação á escola
popular, aos debates entre a escola laica e a confessional e ás lutas entre orientações
católicas e protestantes, em países atingidos pela Reforma.

O grande desenvolvimento científico e técnico convive bem com as orientações
pragmatistas que se desenvolvem na América, gerando novas idéias educacionais.
A lenta descoberta da natureza da criança que a Psicologia do final do século XIX começa
a desvendar sustenta uma atenção maior, nos aspectos interno e subjetivo do processo
didático. Numa relação que só pode ser plenamente compreendida como de reciprocidade,
uma nova onda de pensamento e ação faz o pêndulo oscilar para o lado do sujeito da
Educação.

O movimento doutrinário, ideológico, caracteriza-se por sua denominação mais comum:
Escola Nova, também Renovada, Ativa ou Progressista, conforme as vertentes de sua
atuação. Contrapõe-se, pois, a concepções consideradas antigas, tradicionais, voltadas
para o passado. Apresenta-se com tonalidade crítica, contestadora, revolucionária e seus
escritos têm, muitas vezes, um tom panfletário, proselitista, talvez utópico. É caso de
distinguir-se o significado de novo e de recente pois o movimento declara, como
precursores, todos aqueles que mesmo em outras eras atendem às condições da infância
e poderiam entrar na fórmula consagrada de atender às crianças conforme seus
Interesses, por meio de suas atividades e de um ambiente de liberdade. Nova seria,
sobretudo, a amplidão do movimento e sua roupagem moderna.

O movimento de idéias, que surge simultaneamente na Europa e na América, apresenta
realizações. As primeiras idéias propõem a segregação dos alunos em internatos situados
19 no campo, fórmula essa, certamente, só acessível à burguesia do século XX que
enriquece no bojo da industrialização e de demais facetas do capitalismo florescente. Mas
a doutrina e as realizações são suficientemente variadas para acolher tendências com
vínculo social (KERSCHENSTEINER(8), nas escolas de Hamburgo; Freinet, na França) ou
individual (Plano Dalton de H. PARKHURST), com valorização das realizações práticas
(projetos) ou intelectuais (problemas) etc. A vertente americana é dominada por John
DEWEY, que criou uma escola-laboratório na Universidade de Chicago, defendendo a
metodologia da Escola Ativa, no âmbito de uma Escola Progressiva, comprometida com a
expansão do ideal democrático americano. A fundamentação psicológica e filosófica
encontra-se no pragmatismo de William JAMES, explicando-se assim a tendência de
valorizar o conhecimento na medida em que este orienta a ação.

Na Europa como nos Estados Unidos, pode-se arrolar tendências diferentes: a
psicopedagogia com CLAPARÈDE, FERRIÈRE, BOVET; a medicina pedagógica com
MONTESSORI e DECROLY ou a sociopedagogia de FREINET, DEWEY,
KERSCHENSTEINER e COUSINET. A base psicológica é predominantemente
funcionalista, mas afastando-se tanto do pragmatismo americano quanto das influências
do associacionismo(9); no entanto, os fundamentos sociológicos divergem, indo da linha
socialdemocrata â socialista.

Um dos representantes do movimento, Adolphe FERRIÈRE, afirma que o termo Escola
Ativa era desconhecido até 1918 e só se divulgou amplamente a partir do final da
Primeira Guerra Mundial. Na verdade a expansão da Escola Nova ou Ativa data dessa
ocasião. Preocupam-se os pedagogos, já nessa fase, em evitar um novo formalismo,
considerando que se tratava de uma experiência aberta, em termos de programas e
métodos, mas centrada em torno do ideal de uma "atividade espontânea, pessoal e
produtiva". FERRIÈRE reclama a necessidade de que se ponha à prova os princípios
teóricos de seus organizadores.

Mas, haveria uma teoria única, de Educação ou de ensino? Parece-me que, sobretudo,
formou-se um amálgama doutrinário que tinha raízes no naturalismo em seu aspecto
filosófico do respeito à criança, nas novíssimas pesquisas psicológicas que destacam a
atividade interessada e espontânea como fonte de conhecimento, e nos movimentos
sociais cujo denominador comum -entre socialismos e democracias - é a exigência da
participação de toda a população nas decisões políticas, uma igualdade teórica.

No Final do Século, a Didática Oscila Entre Diferentes Paradigmas 
“Um paradigma (ou um conjunto de paradigmas) é 
aquilo que os membros de uma comunidade partilham 
e, inversamente, uma comunidade científica consiste em 
homens que partilham um paradigma.” 
(Kuhn, A Estrutura das 
Revoluções Científicas) 

8 KERSCHENSTEINER (1854-1932) realizou uma das poucas experiéncias de reformada Educação pública, sob inspiração  
 da Escola Nova, em sua versão uma "escola do trabalho", com ênfase na coletividade. 
9 O associacionismo ("associação de idéias") vincula-se ao automatismo de um ensino baseado em repetição e exercício. 
 Funcionalismo e pragmatismo, por sua vez, acentuam a função do conhecimento, a "aprendizagem com um fim em 
 vista ".Tornam-se, na prática, mais ou menos utilitaristas, conforme os objetivos valorizados. 


 Trocando-se a palavra "científica" por "educacional" obtém-se uma afirmativa que merece
ser considerada. Qual o paradigma compartilhado, quanto á Didática? Como é que a
comunidade educacional interpreta esse paradigma?

Considero que a dificuldade de responder a essas questões encontra-se no fato de que
não há um paradigma, mas talvez paradigmas em conflito. E atrevo-me a dizer que boa
parte dessa situação se deve a uma espécie de contaminação entre a Didática disciplina -
e o conteúdo dos cursos. Explicando melhor, o continente didático acolhe diferentes
conteúdos, em termos de tendências doutrinárias ou teóricas. Ou seja, algumas obras ou
cursos privilegiam determinadas inflexões-sociológicas, psicológicas, filosóficas -, mas
nem sempre as mesmas. Interpretam o Ensino de muitos modos. Há diferenças entre
posições teóricas e diretrizes metodológicas ou tecnológicas. E condena-se o continente
por seu conteúdo.

Na verdade há uma ação de "retorno" do segundo sobre o primeiro e pode-se acusar
certas restrições à Didática (quando se torna somente uma série de técnicas docentes
...)ou certas expansões da área (quando se expande até tornar-se uma sociopolítica do
ensino). Há outros exemplos, facilitados pela complexidade do fenômeno didático, por
seus múltiplos aspectos, pelo comprometimento da sala de aula com a escola, com a
comunidade, com a sociedade, com a cultura que interpreta a realidade da vida.

Tomar consciência que a Didática hoje oscila entre diferentes paradigmas pode ser algo
muito auspicioso para a comunidade pedagógica. Na verdade ela nunca foi monolítica: é o
que prova a própria necessidade de adjetivação adotada tantas vezes: Didática renovada,
ativa, nova, tradicional, experimental, psicológica, sociológica, filosófica, moderna, geral,
especial etc. Hoje, menos do que nunca. Mas o exame crítico de seus contornos, e
sobretudo do núcleo de sua contribuição à Educação, tem a obrigação de evitar que se
peça a essa disciplina que dê mais do que lhe compete produzir, ou bem menos do que
dela se espera: inchar ou encolher não são sintomas de boa saúde. Também não será um
bom remédio aquele que mate o paciente: colocando-se a disciplina como derivação ou
parte de outra de caráter tecnológico ou sociológico. Pois é certo que a Didática têm uma
determinada contribuição ao campo educacional, que nenhuma outra disciplina poderá
cumprir. E nem a teoria social ou a econômica, nem a cibernética ou a tecnologia do
ensino, nem a psicologia aplicada à Educação atingem o seu núcleo central: o Ensino.
Esse núcleo, que tantas vezes ficou obscurecido pelo conceito de Método, algo que
deveria ser entregue, "presenteado" ao professor, e outras pela relevância do
sujeito-aluno, unilateralmente e individualmente, sem que se pudesse discernir a
dialética professor - aluno ( no singular, como no plural) que deve nortear as pesquisas
sobre o processo.

É como decorrência desse conceito nuclear que se situam as inquietações da Didática
atual. É esse conceito que é objeto de controvérsias teóricas, que às vezes levam a
disputa ao campo interdisciplinar do "currículo", como que exigindo da Didática que
proceda ã sua invasão, já que o conteúdo do ensino - o "o quê" se ensina - tanto pode ser
problema didático quanto curricular. Outras vezes leva a outro campo inter-relacionado,
o da Psicologia do Desenvolvimento ou Aprendizagem, já que o êxito do processo de
Ensino, aquilo mesmo que justifica tentá-lo, é a Aprendizagem. E, conforme a Teoria,
surge todo o problema do desenvolvimento intelectual, afetivo, moral, social, igualmente
interdisciplinar. Mais um problema de limites, e crucial, está nas outras questões: por
que ensinar? e para quê? E chegamos aos limites da Filosofia da Educação, da
Sociologia, da Política, pelo menos. Já se disse que, tomando de empréstimo idéias

 exteriores à Pedagogia, esta se encontrava sempre em atraso em relação aos sistemas
filosóficos interpretativos do mundo. Aplica-se essa crítica á Didática?

Dei esses exemplos para mostrar que o inter-relacionamento da Didática com outras áreas do
conhecimento é intenso e constante, o que de modo algum prejudica sua autonomia, mas, ao
contrário, vem enriquecê-la. Há alguns anos, visualizei a situação didática como um tronco de
cone no qual uma secção menor (a) refletindo o plano da relação humana, vivido na situação
didática típica; uma secção intermediária (b) destacando o aspecto técnico do ensino; e a mais
ampla (c), que chamei de região cultural, na qual se decidem objetivos e conteúdos. Mas a
situação repousa sobre bases que abrangem todos os aspectos da sociedade. Ora, a Didática
como disciplina continente deverá abranger conteúdos capazes de resolver os problemas dos
três planos em sua dimensão diacrônica ou evolutiva (níveis, etapas) e sincrônica ou
horizontal (diversidade de conteúdos), considerando, ainda, como o fez o Prof. Luiz Alves de
MATTOS, o ciclo docente (previsão, execução, avaliação).

Qual a Situação Atual da Didática? 

Chegou o momento de procurar responder às questões iniciais, que giram em torno do objeto
de estudos e da delimitação do campo da Didática, de sua autonomia e relacionamento com
outras áreas de conhecimento e reflexão.

Verificou-se que o título Didática iniciou-se há cerca de três séculos, com os "didatas", o que
não significa que sejam estes os autores da palavra, já corrente como qualificativo. Passa a
reunir sob essa rubrica os conhecimentos que cada época valoriza sobre o processo de
ensinar. No decurso do tempo outros termos tentam tomar a si os conteúdos didáticos
(Pedagogia, Metodologia etc.), mas a Didática persiste em manter seu conteúdo.

Há um significado ambíguo que ora acentua o Ensino como modelagem/armazenagem, ora o
entende como desenvolvimento/desabrochamento. Não seria tão importante delimitar o
campo e distinguir o objeto da Didática, não fora a estranha questão que encontrei.
Novos modos de interpretar o fenômeno Ensino, orientações práticas derivadas de teorias
diferentes, desencadeiam, parece-me, a necessidade de encontrar um novo nome para um
procedimento e uma reflexão que se alteraram: se chamam o ensino de "direção da
aprendizagem", exigem nova denominação para a disciplina que dele se ocupa. Os adjetivos
que são acrescentados à Didática parecem periodicamente cumprir esse papel de alterá-la ao
sabor do seu conteúdo.

Acontece, no caso, uma confusão entre uma disciplina e o que se conhece a respeito de seu
campo. Ora, uma disciplina, campo de estudos, ciência ou arte, não pode ser confundida com
os conhecimentos que constituem o seu conteúdo próprio. Se este é impreciso e mutável, é
porque ainda não se "pôs a casa em ordem". Inventariar, ordenar, organizar o que se conhece
sobre Didática, á base da abundante experimentação desta segunda metade do século, seria
um dos meios de trabalhar esse setor. Refletir e interpretar esses conhecimentos seria o
fundamental.

Condenar a Didática porque seu conteúdo não é satisfatório não resolve nossos problemas
práticos, seria como condenar a Medicina porque ainda não resolveu o problema do resfriado
comum. Se é indefinido o conteúdo, parece mais lógico que se procure o núcleo fundamental
da Didática do que suas fronteiras, nesta era em que a interdisciplinaridade não só é aceita,
mas procurada.

 Conseguindo-se apontar o núcleo dos estudos didáticos, ou seja, o Ensino, como intenção
de produzir aprendizagem e sem delimitação da natureza do resultado possível
(conhecimento físico, social, artístico, atitudes morais ou intelectuais, por exemplo), e de
desenvolver a capacidade de aprender e compreender, é fácil entender que suas fronteiras
devem sei fluidas. E que essa fluidez é qualidade e não defeito, pois permite sua
aproximação com conhecimentos psicológicos, sociológicos, políticos, antropológicos,
filosóficos ou outros.

Mas, afinal, será mesmo a Didática apenas uma orientação para a prática, uma espécie
de receituário do bom ensino? Esse é um dos mais discutidos problemas da disciplina. Se
assim fosse não valeria a atenção de tantos, embora possa até chegar lá, como qualquer
disciplina que comporta aplicações práticas. Mas a teorização em Didática é quase uma
fatalidade: em todas as discussões há, explícita ou implicitamente, uma tomada de
posição teórica. Disse um eminente pensador, há muitos anos, que o pedagogo quase
nunca foi o filósofo de sua pedagogia ... Assim é a Didática, que, como vimos, se
aproxima de outras teorias, em sua necessidade de explicar as relações entre os eventos
que estuda, pois a função da teoria é a explicação.

Há alguns anos muitas esperanças foram depositadas nas teorias de Ensino ou da
Instrução, que apareceram. Seriam, talvez, prematuras, de onde não se terem firmado.
Ou não teriam, na ocasião, suporte empírico?Faltaria a elas, talvez, a organização dos
termos teóricos e das relações predominantes para atingir as explicações aceitas pela
comunidade educacional"?

Não suponho que uma única teoria possa, de momento, dominar o campo da Didática. As
teorias promissoras são interdisciplinares, o que não tem nada de estranho nem
pejorativo, já que o ensino (já se disse como e por que) é basicamente complexo,só
podendo ser compreendido a partir de outros elementos das ciências humanas e sociais.
Assim, teríamos, talvez, de integrar modelos provenientes de diferentes áreas, desde que
não fossem entre si contraditórios. Esta é a questão básica da interdisciplinaridade: a
percepção de relações comuns, explicações coerentes, utilização dos mesmos métodos de
pensamento.

A Didática deve conviver com essa dupla feição, teórica e prática. Como a Medicina. E
uma prática muito especial, pela responsabilidade social que a envolve, já que tem uma
grande impregnação social. Mas são diferentes a elaboração de um rol de prescrições e o
traçado de conjecturas, de proposições com diferentes graus de probabilidade, de
hipóteses conduzidas pela teoria. Pois os caminhos didáticos, ao contrário do que julgam
alguns tecnodidatas, são amplos e diferenciados e não estritos e exclusivos.

Os novos rumos da experimentação didática oferecem uma libertação dos cânones
estritos da pesquisa quantitativa, objetivada e controlada pela estatística. Não é o caso da
substituição pura e simples de um tipo de investigação por outro, já que, conforme o
problema, continua-se recorrendo a diferentes instrumentos. Aliás, a Humanidade,
quando inventa novas técnicas, sempre ganha se não despreza as antigas, mas integra-as
às modernas. Trata-se, pois, de ampliar o campo e absorver as auspiciosas modalidades
da pesquisa qualitativa, hoje à disposição da Didática.

É certo que alguns problemas surgem, específicos para a pesquisa em países por muito
tempo dependentes, política ou economicamente. Aponta-se que tais países acentuam,
a partir dos anos 60, as pesquisas de caráter socioeducativo, que versam sobre as
relações entre a Educação e outros processos sociais, deixando de lado a pesquisa
concernente aos processos individuais de aprendizagem e de ensino, "embora hoje se
 comece a entender", disse LATAPI(10), "que a solução de numerosos problemas
sócio-educacionais depende em grande parte desse tipo de pesquisa". Mas a recíproca
também é verdadeira, acrescento.

Considerações Finais 

O percurso feito, do século XVII até nossos dias, indicou alguns marcos no
desenvolvimento histórico da Didática. Viu-se que seu primeiro objeto, o Método,
correspondendo ao modo de agir sobre o educando, recuou ao fundo do palco quando sua
outra face, o próprio educando ou aprendiz, reclamou seus direitos. Um reviver
metodológico, no século XIX, pôs em relevo as características de ordem e seqüência, no
processo didático, antes que a Escola Nova, retornando ao puerocentrismo, em sua
aspiração científica, recorresse à psicologia da criança.

O panorama do final do século XX não é simples. A Didática está impregnada de todas as
inquietações da época e, entre as muitas frentes de pesquisa e exploração, ora requer
auxílio da psicologia profunda de origem freudiana, ora recorre ás correntes
neomarxistas. A oscilação entre uma tendência psicológica que acentua a relevância da
compreensão da inteligência humana e sua construção e outra que se apóia na visão
sociológica das relações escola-sociedade, parece dominar o conteúdo da disciplina. Esta,
em conseqüência, vai-se familiarizar com teorias de origem epistemológica e social, sem
perder, no entanto, seu compromisso com a prática do ensino. Nos programas de
Didática, essa fermentação ideológica nem sempre consegue um resultado harmônico: os
novos temas ainda não tiveram função aglutinadora e vêem-se programações enviesadas
com exclusividade, de um lado ou de outro. Não se entenda, entretanto, que defendo a
possibilidade de uma "Didática Marxista" ou "Didática Sociológica" ou "Didática
Cognitivista(11) ou qualquer outra adjetivação que indique um ponto de vista exclusivo
sobre seu campo de estudos. Pois ocorre que, por constituir-se a Didática numa
disciplina que pode ser desmembrada em vários planos (exemplifiquei com os planos
humano, técnico e cultural), vê-se que, em cada um deles, contribuições de áreas
diferentes se tornam úteis e mesmo necessárias. Sua dupla dimensão (vertical e
horizontal) e o ciclo didático sempre recomeçado, por outro lado, vinculam-na
diretamente á prática e esta, em sua complexidade, exige recursos e técnicas, cuja
eficiência é objeto de pesquisa e experimentação. Mas não existem duas Didáticas, uma
teórica e outra prática: são duas faces da mesma moeda, e, como elas, interdependentes.

Um esclarecimento final, sobre o conceito foco da Didática: o Ensino. Revela uma
intenção: a de produzir aprendizagem; é palavra-ação, palavra-ordem,
palavra-prospectiva, palavra que revela um resultado desejado. Mas, depois de PIAGET,
não se pode mais entender o ensino como a simples apropriação de um conteúdo: uma
informação, um conhecimento ou uma atitude, por exemplo. O ato assimilador, essência
da aprendizagem legítima, correspondente ao ensino que merece esse nome, terá como
subproduto (sub ou super?) alguma mobilização da inteligência redundando em
progresso cognitivo, em capacidade ampliada para conhecer ( ou aprender). É desse
fenômeno que trata a Didática: do ensino que implica desenvolvimento, melhoria. E mais:
não se limita o bom ensino ao avanço cognitivo intelectual, mas envolverá igualmente
progressos na afetividade, moralidade ou sociabilidade, por condições que são do
desenvolvimento humano integral.

10 Pablo LATAPI, La Recherche Éducative en Amerique Latine, in PERSPECTIVES, Unesco, 1(73), 1990, p. 58 (nota n° 3), v. XX. 


 Quero, ainda, deixar claro que, do meu ponto de vista, a Didática, como
disciplina e campo de estudos, parece acelerar o progresso no sentido de uma
autoconsciência de sua identidade - encontrada em seu núcleo central - e de sua
necessária interdisciplinaridade. Conseguir plenamente a autonomia, sem
prejudicar suas fecundas relações com disciplinas afins, é um projeto que, a meu
ver, depende tanto de um esforço teórico e reflexivo, quanto de um avanço no
campo experimental.
Creio que é tarefa para o século XXI.

fonte; http://www.crmariocovas.sp.gov.br/amb_a.php?t=020